Entendendo o sofrimento psicológico na perspectiva do modelo de diátese-estresse 07/06/2025

Entendendo o sofrimento psicológico na perspectiva do modelo de diátese-estresse

Ao longo da história, muitas explicações foram dadas para os problemas de saúde mental. Houve tempos em que se acreditava que eles eram causados por forças sobrenaturais. Depois, com o avanço da medicina e das neurociências, os transtornos passaram a ser explicados majoritariamente como falhas químicas ou genéticas no cérebro. Embora essa visão tenha trazido avanços importantes, ela também mostrou limites: nem sempre uma intervenção médica ou medicamentosa é suficiente para promover bem-estar.

É aqui que entra o modelo de diátese-estresse. Ele propõe que os transtornos mentais não são resultado de um único fator, mas sim da interação entre uma predisposição individual (diátese) e as situações estressantes da vida. A "diátese" pode ser genética, psicológica ou social — e o “estresse” pode variar desde eventos agudos (como uma perda) até pressões crônicas (como pobreza ou isolamento social).

Esse modelo ajuda a explicar por que duas pessoas expostas ao mesmo desafio podem reagir de formas completamente diferentes. Enquanto uma consegue se reorganizar, outra pode desenvolver sintomas graves de ansiedade, depressão ou outro transtorno. O diferencial está nas diferenças de vulnerabilidade e repertório de enfrentamento, não apenas na intensidade da situação vivida. Quando falamos em “vulnerabilidades” psicológicas, é importante não cair no determinismo. Ter uma predisposição não significa que a pessoa está “fadada” a ter um transtorno mental. A vulnerabilidade aumenta a chance de adoecimento, mas o desfecho vai depender do contexto, das relações, dos recursos emocionais e até mesmo da fase da vida.

Por exemplo: uma pessoa com histórico familiar de depressão, que cresceu em um ambiente com pouco suporte emocional e desenvolveu dificuldades de lidar com frustrações, pode estar mais vulnerável ao adoecimento. Mas isso não é um destino selado. Se ela contar com boas relações, um trabalho satisfatório, acesso à psicoterapia e atividades que proporcionem reforços positivos, pode manter-se estável e funcional por muitos anos — talvez por toda a vida.

Essa visão é libertadora porque nos lembra que a saúde mental é construída na relação com o ambiente. É possível fortalecer fatores de proteção, desenvolver habilidades e modificar contextos. Em outras palavras, é possível agir preventivamente e clinicamente para reduzir riscos e promover qualidade de vida, mesmo em pessoas com fatores de vulnerabilidade altos.

É a partir do olhar para essa relacão pessoa-ambiente, que o modelo diátese-estresse se torna uma visão particularmente interessante e importante no entendimento da saúde mental e dos problemas psicológicos. O modelo de diátese-estresse rompe com a ideia de que os transtornos mentais são apenas “problemas do cérebro”. Ele reconhece que, embora fatores biológicos sejam relevantes, a mente humana não pode ser reduzida a processos químicos. Somos seres históricos, sociais e emocionais — e tudo isso influencia como pensamos, sentimos e nos comportamos.

Na prática clínica da psicologia, por exemplo, o modelo de diátese-estresse muda profundamente a forma de avaliar e tratar o sofrimento psíquico. Ele propõe que os profissionais façam mais do que identificar sintomas e aplicar protocolos. Em vez disso, incentiva uma formulação de caso individualizada, que leva em conta a história pessoal, os padrões de enfrentamento, as vulnerabilidades e os estressores presentes na vida da pessoa.

Vamos imaginar um exemplo. Um cliente chega ao consultório com sintomas de pânico. Uma perspectiva baseada no modelo de diátese-estresse perguntaria: quais são os fatores que tornam essa pessoa mais sensível ao estresse? Que eventos recentes podem ter contribuído? Como ela costuma lidar com situações de incerteza ou ameaça?

A partir dessas respostas, o plano terapêutico pode incluir diversas estratégias: psicoterapia focada em resolução de problemas, técnicas de regulação emocional, intervenções familiares, ajustes no ambiente de trabalho, entre outras. A medicação pode ser útil — mas como parte de um projeto maior e mais personalizado, que respeite a complexidade do sofrimento humano. Além disso, o modelo oferece um forte potencial para ações preventivas. Ao identificar pessoas em situação de risco, é possível intervir antes que o sofrimento atinja níveis incapacitantes. Por isso, ele também é valioso em contextos escolares, comunitários, organizacionais e na formulação de políticas públicas.

Portanto, entende-se que a saúde mental é um fenômeno multifacetado, que não pode ser explicado apenas por rótulos diagnósticos ou exames laboratoriais. O modelo de diátese-estresse nos convida a considerar que sofrer é humano — e que adoecer não é um sinal de fraqueza, mas uma consequência de interações complexas entre a história da pessoa e os desafios que ela enfrenta. Adotar esse modelo é um convite à escuta cuidadosa, ao acolhimento e ao compromisso com intervenções mais éticas, individualizadas e eficazes. Também é uma forma de combater o estigma, ao mostrar que transtornos mentais não são falhas morais nem sinais de inferioridade — são respostas humanas a contextos difíceis, especialmente quando não se tem repertório suficiente para lidar com eles. Por isso, promover saúde mental vai além de tratar sintomas: envolve construir ambientes mais justos, relações mais seguras e formas mais saudáveis de lidar com as dificuldades da vida. E o modelo de diátese-estresse nos dá as ferramentas para pensar — e agir — nesse sentido.


Texto baseado no artigo “The ontology of mental health disorders: embracing the diathesis-stress model” escrito pelo Dr. André Connor de Méo Luiz e pela Dra. Myenne Mieko Ayres Tsutsumi.

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