O que nós, analistas do comportamento, aprendemos sobre a pandemia? 14/06/2025

O que nós, analistas do comportamento, aprendemos sobre a pandemia?

Por André Connor de Méo Luiz 



Connor de Méo Luiz, A., Mieko Ayres Tsutsumi, M., Röcker dos Santos, J., Rodrigues Ganêo Kislki, C., Bueno da Silva Kislki, W., Suemi Gomes Shirakawa, J., & Nogueira Ramos, M. (2025). Analistas do comportamento e o COVID-19: Uma revisão de publicações empíricas e conceituais. Revista Portuguesa De Investigação Comportamental E Social, 11(1), 1–19. https://doi.org/10.31211/rpics.2025.11.1.356


A pandemia do COVID-19 evidenciou que entender como as pessoas se comportam é crucial para conter a disseminação do vírus. Usar máscara, higienizar as mãos, manter distanciamento social e seguir orientações médicas não são apenas escolhas individuais: são comportamentos moldados por variáveis ambientais e sociais. E é aí que a Análise do Comportamento entra com ferramentas para estudar, modificar e promover hábitos que salvam vidas. Mas você já parou para pensar o que os analistas do comportamento pesquisaram e aprenderam sobre os fatores comportamentais envolvidos na pandemia?

Essa é exatamente a proposta do estudo feito pelos integrantes do PDI do Instituto Continuum que sistematizou as publicações de analistas do comportamento sobre a COVID-19. O levantamento identificou 62 estudos publicados em revistas especializadas, organizados em cinco grandes temas:

Adaptação para Telessaúde: A maior parte das publicações abordou como serviços que antes eram presenciais — como o atendimento a crianças com autismo — foram adaptados para o formato remoto. Apesar dos desafios, como acesso à tecnologia, os resultados mostram que a telessaúde é viável e pode ser uma alternativa ética e eficaz, inclusive em tempos normais.

Comportamentos de Prevenção: Outro foco importante foi entender como promover comportamentos de higiene e prevenção (como lavar as mãos ou manter o distanciamento). Os estudos discutem como criar condições ambientais e sociais que favoreçam esses comportamentos, respeitando as diferenças culturais e contextuais.

Saúde Mental Geral: A pandemia afetou profundamente a saúde emocional da população. A Análise do Comportamento ajudou a compreender como mudanças nas contingências do dia a dia (como isolamento social e perda de reforçadores naturais) contribuíram para sintomas como ansiedade e depressão — e sugeriu caminhos de intervenção.

Violência Doméstica e Aspectos Sociais: O aumento da violência dentro de casa também foi tema de investigação. A abordagem comportamental analisou como a restrição de acesso a redes de apoio e o aumento de situações aversivas contribuíram para o agravamento desse problema, e o que pode ser feito para mitigá-lo.

Propostas de Pesquisa: Por fim, alguns estudos propuseram novas formas de investigar o comportamento humano em contextos de crise, reforçando a importância de produzir conhecimento básico e aplicado sobre como nos comportamos em situações extremas.

Além de oferecer um panorama abrangente sobre como analistas do comportamento responderam cientificamente à pandemia, esse estudo reforça um ponto crucial: a pandemia de COVID-19 não foi apenas um evento biológico, mas também um fenômeno comportamental. Toda estratégia de contenção — do uso de máscaras ao isolamento social — dependia da adesão voluntária e sustentada de pessoas em diferentes contextos sociais, culturais e econômicos. Ou seja, sem mudança de comportamento, não há política pública que funcione.

A Análise do Comportamento se destaca justamente por oferecer um conjunto sólido de ferramentas para entender o comportamento humano em sua relação com o ambiente. Isso permite:
- Compreender as variáveis que mantêm ou dificultam comportamentos preventivos, como o uso constante de álcool em gel ou a permanência em casa;
- Projetar intervenções mais eficazes e ajustadas à realidade local, considerando aspectos como acesso a recursos, nível de instrução da população e confiança nas autoridades;
- Desenvolver formas de intervenção remota que ampliam o alcance dos serviços de saúde mental e educação, mesmo em áreas sem estrutura presencial;
- Avaliar o impacto das contingências sociais e econômicas sobre a saúde mental, propondo intervenções individualizadas e coletivas que realmente façam sentido para cada público.

Outra razão pela qual essa sistematização importa é que ela organiza um vasto volume de informações dispersas em diferentes revistas e formatos, tornando o acesso ao conhecimento mais ágil para quem precisa tomar decisões rápidas — como profissionais da saúde, gestores públicos e pesquisadores. Em momentos de crise, ter uma base científica consolidada pode acelerar a criação de políticas públicas mais ajustadas à realidade da população e, principalmente, mais eficazes.

Além disso, os resultados do estudo apontam caminhos para o futuro: mostram que a telessaúde é uma ferramenta viável, que a promoção de comportamentos saudáveis depende de mudanças no ambiente social, e que a análise das contingências culturais pode ser fundamental para lidar com crises sanitárias em contextos de desigualdade. Por fim, a pesquisa sugere que há muito espaço para expandir esse conhecimento, inclusive integrando abordagens de outras áreas da psicologia, como a psicologia da saúde e a psicologia comunitária. Essa integração pode fortalecer ainda mais as respostas da ciência comportamental em situações de emergência coletiva — e também em desafios cotidianos que afetam a saúde mental e o bem-estar da população.

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