Ratos, Mozart e formação de memórias 30/07/2025

Ratos, Mozart e formação de memórias

Um grupo de pesquisadores brasileiros resolveu testar os efeitos da famosa Sonata K.448 de Mozart em camundongos. E sim, não é a primeira vez que Mozart aparece nessas histórias. Tem gente que já falou em “Efeito Mozart” pra tudo: concentração, QI, memória, fertilidade das plantas, alinhamento de chakras (essa última eu inventei… eu acho, né?!).

Mas a pergunta do estudo era: será que ouvir Mozart ajuda o cérebro a apagar memórias traumáticas?

Primeiro, os pesquisadores expuseram fêmeas grávidas de camundongos à Sonata K.448 (conheça a música aqui) durante toda a gestação. Depois do nascimento, os filhotes continuaram ouvindo a mesma música na lactação. E, por fim, ainda na vida adulta, esses filhotes (do grupo Mozart) continuaram ouvindo a sonata todos os dias, por horas.

Fala sério?! Você não imagina um monte de camundungos sentadinhos numa mesa, tomando um chazinho quente e discutindo artes?

Depois disso, parte dos camundongos foi submetida a um treinamento aversivo com sons e choques leves para que fosse criado um “mini trauma". Depois disso, o camundongos eram expostos somente aos sons que foram apresentados junto aos choques e observaram o comportamento de “freezing”, ou seja, o quanto os ratos ficavam paralisados de medo quando voltavam a ficar na presença do estímulo que, antes, era associado com o “mini trauma”. Esse processo foi chamado de extinção condicional.

O grupo que ouviu Mozart ficou mais tempo paralisado no início da extinção, sugerindo que eles lembravam mais do que aconteceu naquele contexto. Isso já é sensacional, né?! Mas o mais interessante é o que veio depois: ao longo dos dias, eles foram os únicos que mostraram um padrão estável e progressivo de redução do medo. Olha só o gráfico do artigo aqui:


*Por favor, acessem o texto original para ver a figura e os outros dados no link deixado após as referências, ao final do texto .


Enquanto os outros grupos ficavam meio instáveis (ora paravam, ora voltavam a congelar), os ouvintes de Mozart foram “descongelando” com consistência - veja a linha azul. Tipo quando você começa a ir pra terapia e, em vez de sair “curado” na primeira sessão, sente um primeiro “choque”, trava um pouquinho, mas vai notando pequenas mudanças consistentes semana após semana.

E, já que eu falei de terapia… como isso se relaciona a nossa prática na psicologia?

Veja só! A extinção de memórias de medo é a base de diversas intervenções terapêuticas, especialmente as baseadas em exposição. Quando alguém tem um histórico traumático, não basta “apagar” a memória (até porque isso não dá pra fazer com uma borracha). O que acontece é que novas memórias são formadas, redesenhando a resposta emocional à situação.

E é aí que entra a música - e, possivelmente, outras estimulações como exercício físico!

Segundo os autores, a exposição prolongada à sonata favoreceu a plasticidade cerebral — aumentando fatores como o BDNF (aquele mesmo que aparece nas conversas sobre exercício físico e saúde mental). Com isso, o cérebro dos camundongos ficou mais preparado pra aprender de novo — e aprender que o ambiente não era mais perigoso. Mas, aparentemente, de forma mais consistente do que os sujeitos não expostos a essa estimulação.

Claro que não basta só ficar colocando Mozart para os bebês humanos por aí.

O ponto não é que qualquer música clássica tem esse efeito. A literatura mostra que a complexidade da composição, a repetição e até a percepção subjetiva do estímulo são fatores importantes. Ou seja, uma música pode ser relaxante pra mim e estressante pra você. Mas os resultados sugerem um caminho interessante: a relação entre regulação emocional, neuroplasticidade e aprendizagem está diretamente envolvida na terapia. E se a gente puder encontrar maneiras (auditivas, motoras, ambientais, relacionais) de favorecer esse processo, melhor. Parece aquela proposta de generalização que seu supervisor sempre fala, sabe?

Agora… para e pensa: “como que esse cara saiu de um texto sobre ratos para falar sobre terapia?".

Eu faço isso porque eu vejo comportamento. E vejo princípios em ação.

Esse estudo é quase um mapa do que a gente aprende desde o começo na Análise do Comportamento: repertórios complexos são construídos por meio da interação entre estímulos, respostas e consequências. A extinção de uma resposta de medo não é "deixar de sentir", mas aprender que aquele estímulo perdeu a função que antes tinha. E esse aprendizado acontece aos poucos, por contato repetido, sob novas contingências, com novos reforçadores em cena.

A beleza disso é que não importa se estamos falando de traços na tela, de pessoas enfrentando memórias difíceis ou de aprender a lidar com ansiedade: os processos são os mesmos. E quando a gente entende isso, para de se perder na tentativa de "explicar a mente" e começa a olhar pro que realmente pode ser observado, modificado e ensinado.

E se Mozart ajudar no processo… que entre na playlist.

Dr. André Connor de Méo Luiz - PDI Instituto Continuum



Faria, R. S., Di Gesu, A., Miranda, L. V., Vitorino, L. M., Trzesniak, C. M., & Sartori, C. R. (2025). Investigation of the Mozart sonata effect on contextual memory extinction. Einstein (São Paulo), 23, eAO1299. https://doi.org/10.31744/einstein_journal/2025AO1299

Acesse o texto original aqui: https://journal.einstein.br/article/investigation-of-the-mozart-sonata-effect-on-contextual-memory-extinction/


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